sábado, 24 de abril de 2010

FRASEOLOGIA X INGLÊS GERAL DA AVIAÇÃO

Vários estudos realizados na área das comunicações aeronáuticas, como os do grupo PRICE, Mell (1997), Printon & Britton (1993) e Delibo (1993), indicam que qualquer transgressão no uso da fraseologia pode causar riscos à segurança do vôo. Sendo assim, acredito que mesmo tratando-se de cursos para pilotos experientes, é importante a inclusão de atividades que promovam a prática e revisão da fraseologia, bem como a constante reflexão do seu propósito comunicativo, ou seja, entender e fazer-se entender pelo controle de tráfego aéreo usando uma linguagem comum e sintetizada. Por outro lado, estudos também questionam a eficácia da fraseologia para a solução de todos os problemas que possam advir de situações de emergência ou não comuns na rotina profissional dos pilotos.
Um evento que sustenta a afirmação de que a fraseologia pode ser insuficiente para o exercício do trabalho do piloto em situações mais complicadas, é aquele identificado por meio das notícias, conforme mostrarei a seguir:

Excerto de notícia:
"The flight crew received an indication that the nose landing gear did not retract; it was confirmed that it was down, but it was turned in a 90 degree position and the front nose wheels were turned sideways .They were advised to lower the aircraft's weight by burning fuel. The aircraft ended up circling the Los Angeles airport for two hours to burn off fuel. The pilot appeared to be favoring the rear landing gear as the aircraft touched down and smoke and flames were seen when the front wheels touched the ground. The front wheels were twisted to one side, MarketWatch reported. The Los Angeles airport was reportedly chosen because the runways are longer and it has more emergency equipment.” (disponível em http://www.lutftcsak.com/)

Esse texto refere-se a um incidente no qual o piloto recebeu um aviso, pelos instrumentos da aeronave, de que o trem de pouso não pôde ser retraído após a decolagem e que as rodas encontravam-se travadas em posição perpendicular ao trem de pouso. O piloto, então, entrou em contato com funcionários da manutenção da empresa aérea na qual trabalha para obter informações de como solucionar o problema. O mecânico confirmou que o trem estava estendido, mas garantiu que as rodas estavam na posição correta, ou seja, alinhadas ao corpo da aeronave. Para garantir a correta execução dos procedimentos necessários para o pouso, o piloto solicitou um vôo rasante perto da torre para que o controlador pudesse realizar uma checagem visual da posição do trem de pouso. O piloto foi informado a respeito da posição das rodas, que estavam travadas em uma posição incomum, perpendiculares ao corpo da aeronave, o que traria mais dificuldades e riscos na aterrissagem. Essa constatação fez com que o piloto decidisse pousar em um outro aeroporto, o de Los Angeles, o qual possui pistas mais longas e melhores equipamentos de emergência.
A gravação da conversa entre o piloto e o controlador, disponível na Internet
[1], evidencia que essa interação exigiu do piloto um conhecimento lingüístico maior do que o da fraseologia para pousar a aeronave com segurança. Ele precisou descrever para o controlador as informações nos instrumentos da aeronave, como, por exemplo: “it tells me not to retract the gear” ou “it also tells me that there is a possibility that the nose gear is extended at 90 degrees”. Também foi preciso conhecimento de inglês para entender a descrição da posição das rodas pelo controlador, que usou as frases “turned sideways” e “twisted to one side”. Na fraseologia aeronáutica encontramos os elementos suficientes, como vimos nos exemplos à paginas 76 , retirados de material didático de fraseologia, para situações de emergência que demandem ações e decisões rápidas, mas não existem frases ou palavras prontas que possam suprir todas as necessidades de uso da língua em situações que exijam uma interação mais complexa entre pilotos e controladores, em termos de confirmações, explicações e descrições, como no evento que acabo de relatar.
Outros exemplos de interações entre pilotos e controladores em situações de emergência nas quais podemos evidenciar a necessidade de um conhecimento de inglês mais extenso do que o das frases da fraseologia encontram-se disponíveis no banco de dados do CVRD
[2].
O exemplo a seguir, retirado do CVRD e apresentado por meio do quadro 3.3 a seguir, retrata uma outra situação de emergência também mencionada nos dados coletados, que é a necessidade de pouso de emergência por perda do motor em vôo. Nessa ocasião, algumas frases e orações que não fazem parte da fraseologia padronizada, grifadas, foram usadas pelo piloto e controlador (os turnos foram numerados à direita, para melhor identificação). O uso dessas frases comprova a necessidade de outras funções e formas lingüísticas para o piloto e o controlador chegarem à melhor solução frente ao iminente pouso de emergência.
[3]



HZ:21:40.9 Uh okay, I am going to take you... Are you able to take a turn back to the south or do you want to stay closer to the airport? (1)
SWR1111:21:47.0 Uh, standby short, standby short. (2)
SWR1111:21:59.1Okay we are able for a left or right turn towards the south to dump.(3)
HZ1:22:04.2Swissair one-eleven uh roger, uh turn to the ah left heading of ah two zero zero degrees and ah advise me when you are ready to dump. It will be about ten miles before you are off the coast. You are still within about twenty five miles of the airport. (4)
SWR1111:22:20.3Roger, we are turning left and ah in that case we're descending at the time only to ten thousand feet to dump the fuel. (5)
HZ1:22:29.6Okay, maintain one zero thousand. I'll advise you when you are over the water. It will be very shortly. (6)
SWR1111:22:34.4Roger (7)
SWR1111:22:36.2(Du bisch i dr) emergency checklist (fr) air conditioning smoke? [Translation: (You are in the) emergency checklist for air conditioning smoke?](8)
HZ1:22:42.9Uh Swissair one eleven say again please. (9)
SWR1111:22:45.3Ah, sorry it was not for you Swissair one eleven was asking internally. It was my fault, sorry about.(10)

Podemos observar pelo exemplo do quadro 3.3 que tanto o piloto, representado pela sigla SW111, como o controlador, HZ, na tentativa de encontrarem a melhor solução para o problema, lançaram mão de conhecimentos lingüísticos que ultrapassaram as fronteiras das frases prontas disponíveis na fraseologia aeronáutica, como por exemplo, nas passagens que exponho a seguir.
No turno (1), o controlador usou o comparativo de superioridade closer para saber com precisão qual a posição mais apropriada para o piloto.
No turno (6), o controlador alertou o piloto a respeito da rápida aproximação da aeronave na posição sobre o oceano para o esvaziamento de combustível, construindo a frase com o advérbio shortly.
No turno (10), o piloto precisou desculpar-se e esclarecer ao controlador que o que ele havia acabado de dizer não era dirigido ao controlador e sim a outro membro da tripulação.
As interações transcritas no quadro 3.3 sinalizam que as frases que compõe as mensagens de emergência da fraseologia padronizada podem não bastar para que os pilotos e controladores expressem todas as funções comunicativas relacionadas às suas intenções, indicando que talvez seja essencial um conhecimento adicional ao da fraseologia, para garantir o pouso seguro da aeronave em situações de emergência.
É também importante notar que, mesmo que o piloto conheça e tenha à mão todas as palavras da fraseologia, ele precisará estar sempre apto a entender os enunciados do controlador, os quais, como acabamos de ver pelos turnos do quadro 3.3, podem não ser construídos com as frases contidas no manual de fraseologia padronizada.
Como podemos observar em outro exemplo a seguir, apresentado por meio do Quadro 3.4, o uso de frases que não constam da fraseologia, as quais encontram-se grifadas, denotaram a necessidade de uso de outros elementos lingüísticos para o perfeito entendimento, pelo controlador, do que estava ocorrendo.
[4]

00.52:22 LIB8807 Ground from Liberté 8807 we have just hit another aircraft on taxi... on take-off. (1)
00.52:29 ATC Confirm that you have hit an aircraft Liberté 8807 (2)
00.52:32 LIB8807 Affirmative (3)
00.52:34 Captain An STOL (4)
00.52:34 ATC 8807, copy. Do you want the emergency services? (5)
00.52:37 Captain Yes... we're going to vacate at the next eh (6)
00.52:39 LIB8807 Yes... we're going to vacate (7)
00.52:42 ATC 8807 do you have any damage? (8)
00.52:44 Captain Ah yes eh eh (9)
00.52:44 LIB8807 Certainly on the wing sir yes (10)
00.52:46 ATC Can you still taxi? (11)
00.52:47 LIB8807- We're going to taxi sir... we're vacating ... we're alerting our cabin crew (12)
Quadro 3.4: transcrição de diálogo entre piloto e controlador 2. (Cockpit Voice Record Database: Liberte 8807 25/05/2000 (Disponível em http://www.tailstrike.com/280488.htm)
Legenda: LIB8807: radio transmission of Air Liberte; Captain: voice identified as Air Liberte Captain; ATC air traffic control.

O exemplo acima apresentado mostra as interações durante um acidente na pista entre duas aeronaves. Podemos notar que no turno número (1), o piloto, representado pela sigla LIB 8807, informou a torre sobre um evento recém ocorrido. Para desempenhar lingüisticamente essa função, ele usou Presente Perfeito em inglês com o advérbio just. O uso de frases que não constam da fraseologia como do you have any damage, emitida pelo controlador, ou certainly on the wings, emitida pelo piloto, foram usadas como complementos para que o controlador se certificasse do incidente e de suas conseqüências.
O próximo exemplo, apresentado por meio do Quadro 3.5, ilustra uma situação de emergência causada pela perda de ar pressurizado a bordo, devido a abertura de uma das portas da aeronave.

Co-pilot: Maui tower, Aloha two forty three, we’re inbound for landing. We’re just, ah, west of Makena, descending out of thirteen [13,000 feet], and we have rapid depr… - we are unpressurised. Declaring an emergency… (1)
Tower: Aloha two forty three, winds zero four zero at one five. Altimeter two niner niner niner. Just to verify again. You’re breaking up. Your call sign is two forty - four? Is that correct. Or two forty three? (2)
Co-pilot two forty three Aloha - forty three. (3)
Tower: Two forty - two the equipment is on the roll. Plan [to approach] straight thousand [11,000] feet. Request clearance into Maui for landing. Request the [emergency] equipment. (4)
Tower: Okay, the equipment is on the field…Is on the way. Squawk zero three four three, can you come up on [frequency] one niner one niner point five? (5)
Co- pilot Two forty three. Can you hear us on one nineteen five two, forty three? Maui Tower, two forty three. It looks like we’ve lost a door. We have a hole in this, ah, left side of the aircraft. (6)
Quadro 3.5. transcrição de diálogo entre piloto e controlador 3. (Cockpit Voice Record Database. 28/04/1988 Aloha 293. Disponível em http://www.tailstrike.com/280488.htm)

Podemos perceber, através do turno (6), que o co-piloto precisou descrever para o controlador a condição da aeronave naquele momento, a qual estava sem uma das portas, usando frases e palavras que não são parte da fraseologia aeronáutica, como as que encontram-se grifadas no turno 6 do quadro 3.5.
Os exemplos de transcrições apresentados nos quadros 3.3, 3.4 e 3.5 indicam que, embora a fraseologia disponibilize os elementos lingüísticos para o desempenho de pilotos em situações de emergência, pode existir a necessidade de um conhecimento lingüístico mais amplo do piloto que lhe forneça retaguarda para suprir as lacunas que a fraseologia não satisfaz.
Por outro lado, nem sempre a falta de recursos da fraseologia é a responsável pela utilização de outras formas de linguagem na comunicação entre piloto e torre. Em uma situação de emergência, em condições de stress, as pessoas podem lançar mão de todo e qualquer conhecimento de língua que possuam, e que já esteja automatizado, para se expressarem. Embora as interações entre pilotos e controladores aconteçam em um contexto relativamente restrito, situações inesperadas podem fazer com que pilotos e controladores, por terem ao seu dispor as múltiplas escolhas que a linguagem oferece para produzir significados, não usem as da fraseologia.
Isso implica que tanto pilotos como controladores precisarão estar aptos a pedir esclarecimentos, repetições, confirmações e negociarem significados sempre que as interações forem realizadas através de elementos lingüísticos que ultrapassem os que compõem a fraseologia.
Concluindo o exposto até aqui, a fraseologia padronizada é a linguagem que deve ser privilegiada na comunicação entre pilotos e controladores de tráfego aéreo. Para as situações de rotina de voar, parece-me que a fraseologia é a única forma de linguagem que assegura o entendimento mútuo entre pilotos e controladores e faz com que a aeronave seja conduzida com segurança de seu ponto de partida até o seu destino final. Para as situações de emergência, no entanto, não existe uma lista de palavras e frases que possa suprir todas as necessidades de comunicação de pilotos e controladores, tendo-se em vista a infinidade de situações e eventos que possam ocorrer no contexto de atuação profissional dos pilotos que demandam uma comunicação em inglês.
Os dados mostrados aqui sinalizam para a necessidade de um conhecimento da língua inglesa que vá além da fraseologia, que possa garantir que o piloto desempenhe suas funções profissionais satisfatoriamente. Professores envolvidos na elaboração de cursos que objetivem preparar o piloto para desempenhar satisfatoriamente suas funções em situações adversas devem considerar a inclusão de atividades que promovam a prática da fraseologia padronizada e o ensino da linguagem específica que permeia todos os contextos nos quais os pilotos precisarão fazer uso da linguagem para voar.

[1] http://flywithjoe.com/, episódio 8
[2] Cockpit Voice Record Database
[3] Os grifos são meus e representam as frases que não fazem parte da fraseologia aeronáutica.
[4] Os grifos são meus e representam frases que não compõem a fraseologia aeronáutica.

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